Bretton Woods II
As recentes notícias da não renovação do acordo do Petro-dólar entre os EUA e a Arábia Saudita, fez ressurgir numa parte da comunidade de bitcoiners, que o fim do dólar está para breve. Na realidade não é bem assim, é verdade que estamos numa fase de desdolarização, mas este processo vai demorar muitas décadas. Possivelmente muitos de nós, infelizmente, não vamos assistir a essa mudança, a nossa esperança de vida não vai o permitir.
Bretton Woods
Olhando para trás, o acordo de Bretton Woods foi uma fase transitória na nossa história, foi a transição da política monetária internacional do padrão ouro para o padrão fiduciário(FIAT). Foi um acordo entre estados, os povos não tiveram qualquer intervenção. Esse processo transitório, durou quase trinta anos, qualquer que seja a mudança no sistema monetária é sempre extremamente demorado.
Curiosamente, o acordo terminou, não pela vontade das “vítimas”, mas através do principal beneficiado.
Primeiro as moedas eram fabricadas em ouro, depois surgiu o papel moeda que era lastreada no ouro. Com os acordos de Bretton Woods, em 1944, passaram a ter o moeda com lastro indirecto no ouro(através do dólar). Em 1971, com o fim de Bretton Woods, a moeda ficou sem qualquer lastro (FIAT).
Em 1971 passamos a utilizar uma moeda baseada em confiança, pior ainda, somos obrigados a confiar na honestidade de políticos.
Passamos de método baseado na escassez, com muita força monetária para o seu oposto, uma moeda sem lastro. De um dia para o outro, descartamos milhares de anos de evolução da civilização. Após o fim de Bretton Woods, entramos numa experiência, que dura até hoje.
Pensando bem, a moeda FIAT tem lastro, esse lastro é a dívida emitida pelo próprio estado. Isso significa, que o lastro nunca foi tão forte… Como em qualquer empresa, o último responsável pelas suas dívidas são os seus acionistas. A empresa para financiar e para pagar as dívidas, faz aumentos de capital, emite novas ações. Mas a empresa mantém o mesmo valor, apenas aumenta o número de ações, isso significa que cada ação vale menos. É como a história da pizza, em vez de 6, cortamos a pizza em 12 fatias, é verdade que são mais fatias mas a pizza mantem o mesmo tamanho, as fatias é que ficaram menores. No caso das moedas, cada centimo/centavo é uma ação. É preferível ter o Bitcoin sem lastro, do que ter uma moeda lastreada em dívidas, mas isto é apenas uma conjectura minha, ignorando isto e sendo um pouco ingénuo, vamos acreditar nos políticos e aceitar que o FIAT não tem lastro.
Na minha opinião estamos num processo de reversão desta evolução da moeda pós Bretton Woods, estamos a voltar a algo com força monetária, só que em vez de ouro, será o Bitcoin.
Adoção voluntária
A mudança para o padrão FIAT foi forçada, ninguém ouviu a opinião dos povos, se queriam o fim do padrão ouro, se aceitavam ou não os acordos de Bretton Woods, foram forçados a utilizar papéis coloridos sem lastro.
O Padrão Bitcoin é o seu oposto, a adoção é completamente voluntária. Satoshi redigiu o acordo (a política monetária) e dia após dia as pessoas voluntariamente aderem ao acordo, adotando o Bitcoin, sem a existência de uma lei de uso forçado.
Como a adesão é voluntária pelas pessoas, o processo transitório ainda será muito mais lento que o do FIAT. E é importante que essa transição seja lenta, para que as pessoas se adaptem à mudança, porque uma mudança abrupta seria desastrosa. A mudança para o padrão Bitcoin não é uma simples mudança de moeda, é a mudança completa do sistema político, financeiro, económico e social de toda sociedade. Essa transição terá que ser lenta, para que cada pessoa se adapte, cada uma ao seu ritmo. Se correr mal a adaptação, as pessoas podem querer voltar ao antigo padrão.
Adoção forçada
Os estados vão resistir, mas com o crescimento da adoção do Bitcoin pelos cidadão e em simultâneo a rejeição da moeda FIAT, os estados não terão outra alternativa, senão adotar o Bitcoin como lastro o Bitcoin para o lastro da sua moeda, para evitar o colapso do sistema monetário.
Só será possível e viável quando o Bitcoin atingir um valor significativamente alto, talvez entre 10%-20% da riqueza mundial. O marketcap do Bitcoin terá que ser muito alto, para conseguir suportar a procura gerada por parte dos estados, sem criar muita volatilidade. É natural que o preço suba, mas essa subida terá que ser gradual, não poderá ser exponencialmente. É natural que os primeiros países a adotar sejam os mais pequenos ou menos desenvolvidos. Em caso de muita volatilidade e uma subida repentina de preço do bitcoin, gerada pela adoção de países mais desenvolvidos, pode provocar o colapso dos países pequenos que aderiram primeiro. Por esse motivo a adoção deve ser lenta e gradual.
Num certo momento, será inevitável um acordo internacional entre estados, será algo similar ao de Bretton Woods, só que em vez do dólar teremos o Bitcoin. O comércio internacional passará a realizar-se em Bitcoin, como unidade de conta. Internamente, cada país vai manter a sua própria moeda, será a unidade de conta do país, mas as moedas serão lastreadas em Bitcoin, cada unidade monetária terá um valor de x satoshis. Esse câmbio poderá ser flutuante ou fixo, pré definido pelos bancos centrais.
Na prática haverá em simultâneo duas moedas em circulação, o Bitcoin e a moeda do governo, mas apenas a moeda do governo será a legal tender, a unidade de conta do país. O Bitcoin será utilizado sobretudo por pessoas e empresas como uma reserva de valor para médio/longo prazo.
Como ainda existem moedas governamentais, ainda é possível a expansão da base monetária mas ficará um pouco mais limitada, ou seja, se os estados abusarem da expansão, os cidadãos vão fugir em massa para o Bitcoin, por isso as políticas têm que ser moderadas. Será algo similar à curva de Laffer, em vez de carga-fiscal&receita, temos expansão impressão&alocação, ou seja, quanto maior for a expansão da base monetária, menor será a porcentagem alocada na moeda do governo por parte das pessoas.
Assim o Bitcoin será um travão para a expansão da base monetária, mas isto não significa que não existirá, claro que vai existir, os estados estão viciados em imprimir dinheiro, terão é que fazer com um maior rigor. Se existir rigor, vai permitir “dar” anos de vida às moedas dos governos. Se não existir rigor, a hiperinflação acontecerá e a Lei de Gresham será implacável, o colapso da moeda do governo é inevitável.
Adoção total
Será que alguma vez vamos assistir os países a abandonarem por completo a sua própria moeda e utilizar em exclusivo o Bitcoin?
Poderá existir alguns casos, talvez em países pequenos, mas será muito pouco provável a adoção plena do Bitcoin, como único legal tender e a unidade de conta.
A minha baixa crença baseia-se em exemplos do passado: o bolívar da Venezuela está há décadas em hiperinflação, o dólar é amplamente utilizado, mas eles não abandonam a moeda própria, apenas retiram zeros. Depois temos os exemplos da Argentina e do Zimbabwe, que por momentos deixaram de ter moeda própria, mas mais tarde voltaram a repor.
Isto vai repetir-se no futuro, até poderão temporariamente adotar o Bitcoin, mas mais tarde ou mais cedo, alguém é eleito e repõe um moeda própria. O ser humano é assim e os governos necessitam da moeda para sobreviver.
Como os estados têm o poder absoluto, são eles que fazem a lei e o uso forçado dá uma força desmedida à sua própria moeda, é uma concorrência desleal contra a adoção do Bitcoin. Simplesmente por obrigar os cidadãos a pagar os impostos exclusivamente na moeda do governo, isso gera uma demanda enorme pela moeda, os cidadãos e empresas são obrigadas a ter a moeda estatal. Além disso, o governo fará todos os seus pagamentos na sua moeda. As empresas que prestem serviços vão receber na moeda do estado, e por sua vez pagam aos seus funcionários. O mesmo acontecerá aos funcionários públicos, reformados e todas as assistências sociais serão pagos na moeda do estado, todas estas transações representam uma cota significativa do mercado.
O uso forçado dá um poder tremendo à moeda do estado, enquanto for exclusivo de uma única moeda, essa terá sempre uma cota significativa de mercado. Por isso as moedas estatais conseguem sobreviver, mesmo em hiperinflação. A concorrência entre moedas só será plena para o uso no médio a longo prazo, aqui veremos o Bitcoin a dominar. Onde existir liberdade o Bitcoin vencerá.
A nossa sociedade cresceu numa economia inflacionária, a mudança será tão disruptiva, não sei se as pessoas estão preparadas ou se querem realmente a mudança para um sistema deflacionário. No geral, um sistema deflacionário é melhor para as populações, mas certo “benefícios” que hoje existem devido aos sistema FIAT, deixarão de estar acessíveis, como o caso do crédito barato. Os governos terão que ser muito austeros e terão que reduzir os apoios sociais, ou seja, os governos não serão populares, possivelmente perdem eleições. A impressão de moeda é essencial nos estados modernos, sem ela dificilmente os governos sobrevivem.
Eu acredito que o mais difícil, é a adaptação psicológica ao sistema deflacionário? Não sei como as pessoas vão reagir, os salários em vez de aumentarem anualmente, vão manter se ou possivelmente diminuir. Apesar de diminuir, as pessoas ganham poder de compra, é uma mudança disruptiva, completamente oposta à realidade atual e que sempre vivemos.
Por isso, eu tenho muitas dúvidas que aconteça uma adoção plena do padrão Bitcoin. Eu não gosto de ver o Bitcoin como legal tender, isto implica o uso forçado, eu sou um forte defensor da liberdade monetária, dar liberdade plena aos cidadãos, cada cidadão escolhe a moeda que quer usar. Se o cidadão quer usar a moeda do estado, que use, quem sou eu para limitar essa liberdade. Poderá também usar várias moedas e com diferentes percentagens de alocação da sua riqueza.
O Bitcoin também não necessita de ser a moeda mais utilizada em cada país, basta ser a segunda. Sendo a segunda mais utilizada em todos os países, torna-se naturalmente a moeda mais utilizada no mundo.
Outro problema do Bitcoin como legal tender, os cidadãos vão baixar a guarda, vão depositar os satoshi em custodiantes centralizados, ficando vulneráveis a uma futura mudança de política, um corralito como na Argentina. Nunca devemos confiar nos políticos, já Eça dizia: ”Os políticos são como fraldas e devem ser mudados frequentemente pela mesma razão”.
Don’t trust, Verify.